Equidade Salarial: Qual é o papel da estratégia de remuneração no escopo de diversidade e inclusão?
No Brasil, a equidade salarial é prevista em lei, no artigo 5º da Constituição Federal e o artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, que determinam salários iguais para funções idênticas independentemente de gênero, nacionalidade e idade. Ainda que diferenças salariais possam existir por questões como função, experiência, antiguidade na empresa e desempenho/meritocracia; infelizmente também podem existir por fatores relacionados a discriminação e decisões tomadas com vieses, principalmente em grupos subrepresentados.
Para fornecer dicas acionáveis para as empresas sobre equidade salarial em grupos sub representados, precisamos, antes, dar um contexto maior sobre o problema.
Portanto, nesse artigo, vamos falar sobre: 1) contexto global de diversidade e inclusão em remuneração, 2) tendências internacionais sobre o tema, 3) onde o Brasil está e pode chegar nesse assunto, e, finalmente, 4) dicas para você aplicar esse conceitos na sua empresa.
1. Contexto global de diversidade e inclusão em remuneração
Analisando especificamente o escopo de remuneração dentro do amplo conceito de equidade, vemos que é um problema que não se resolverá cedo: de acordo com o Global Gender Gap Report 2022, do World Economic Forum, se nada for feito no âmbito global, serão necessários mais de 132 anos até que mulheres e homens recebam salários iguais.

Além disso, a Trusaic, empresa de tecnologia americana para as áreas de RH e Compliance, criou o Big Mac Pay Index, que mostra as diferenças de salário em diferentes grupos sub representados a partir de uma análise de preço do Big Mac. Nos resultados, vemos que um Big Mac, para um homem branco custa em média $7,20, enquanto para uma mulher negra pode custar em média $11,00, ou seja, um poder de compra 53% menor.
No entanto, já é observado um movimento na direção de reduzir essa estatistica. Estudos da World at Work (Associação Internacional de Total Rewards) mostram que em média 70% das empresas pesquisadas estão tomando ações relacionadas à equidade salarial ("Pay Equity"), pressionadas por leis e por estarem publicamente expostas, principalmente as empresas listadas na bolsa de valores.
2. O que já está acontecendo lá fora?
Um dos exemplos mais notórios não veio do mundo corporativo. O futebol feminino nos Estados Unidos abriu um espaço importante no debate sobre salários entre os gêneros no mundo do esporte: em 2016, 5 jogadoras abriram um processo na Comissão de Oportunidades Iguais de Emprego, sobre a diferença no salário e no tratamento em relação à seleção masculina. Inclusive, o time feminino de futebol dos Estados Unidos atualmente é o atual número 1 do ranking da FIFA. De acordo com a IstoéDinheiro, a disputa durou 6 anos, e em 2022, as atletas conseguiram equiparar os valores com a equipe masculina, chegando a um acordo com a federação de futebol.
Fora do campo já vimos sinais de que os EUA estão criando estruturas sólidas para chegar na equidade salarial. A novidade mais marcante dos últimos tempos foi que os estados estão aprovando leis que obrigam empresas a divulgarem faixas salariais dos cargos. Esse tipo de compromisso traz muito mais transparência e, consequentemente, equidade salarial para os colaboradores. Segundo a CNBC 13 estados americanos já contam com esse tipo de obrigação.
3. E o Brasil, em que pé está?
Já no Brasil, de acordo com o Valor Econômico, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022 mostram que as mulheres recebem 20,2% menos que os homens e a hora de trabalho de uma pessoa preta vale 40,2% a menos do que a de uma pessoa branca. Comparando a remuneração de homens brancos e mulheres negras, a diferença chega a ser 46% a menos.
No entanto, temos projetos de lei em discussão que abordam tais temas.
O Projeto de Lei 130/11, que ainda está em discussão no congresso, acrescenta também à lei, uma multa para combater a diferença de remuneração verificada entre homens e mulheres no Brasil
Já o projeto de lei 1.149/22, que tramita na Câmara dos Deputados, determina a obrigatoriedade de informar a faixa salarial na divulgação das vagas e vale para empresas públicas e privadas, segundo o G1.
Embora os Projetos de Lei ainda estejam em aprovação, as empresas precisam se preparar, independente do porte, indústria, ou até mesmo da aprovação de leis, para ter estruturas e mecanismos sólidos que auxiliem na administração salarial de forma transparente e equânime, e que contribua para diminuir desigualdades tanto de gênero quanto de raça. Nos Estados Unidos, onde a lei de transparência salarial já está em vigor em alguns estados, as empresas estão correndo contra o tempo para implementar suas estratégias, demandando tempo, esforço e até mesmo recursos tecnológicos para fazer a gestão.
4. Quais os passos que sua empresa pode seguir para equidade salarial?
Dado todo esse contexto, tanto internacional quanto nacional, voltamos ao ponto principal desse artigo: como você pode analisar e chegar à equidade salarial de grupos sub representados?
Pesquisa salarial: Antes de determinar quanto um indivíduo deve ser remunerado, a empresa precisa ter referências formais de como o mercado remunera determinada função, considerando a indústria, porte da empresa, localidade, etc. Existem várias referências e fontes no mercado. A Salars, por exemplo, oferece esse tipo de informação de forma gratuita e atualizada em tempo real em seu benchmarking;
Políticas e estruturas para mitigar o "gap" salarial: Parece básico, mas a ausência de políticas e princípios ou algo que norteia como gestores devem tomar decisões salariais, pode contribuir com gaps salariais dentro da empresa, comprometendo o princípio da isonomia. Uma vez tendo a referência de quanto o mercado paga para determinada função, a empresa precisa ter uma política clara de como vai remunerar cada função, nível/senioridade e como vai se posicionar competitivamente. Se quiser se aprofundar mais no tema, esse outro artigo sobre faixas salariais e aumentos do blog da Salars pode te ajudar;
Não contratar com base no último salário: Essa é uma pergunta comum em um processo seletivo e também a que mais contribui para a desigualdade salarial. Isso porque, se uma mulher ganha um salário menor, a tendência é que mesmo que seja oferecido um salário acima do atual, há grandes chances de ainda continuar sendo um salário menor do que a média paga para um homem na mesma função e com experiência equivalente. Tenha um valor definido para a função, e use o último salário (se muito necessário) apenas como referência, mas não como fator decisor principal;
Usar algoritmos para reduzir vieses nas tomadas de decisão de mérito e promoções: as decisões de méritos e promoções podem muitas vezes ser subjetivas se ficam a critério do líder. Neste momento, vieses (muitas vezes inconscientes) podem contribuir para decisões que afetem a equidade salarial. A combinação de critérios podem ajudar a tornar as decisões mais objetivas, como por exemplo: histórico e consistência de notas de desempenho, último reajuste salarial, posicionamento na faixa ou em relação ao mercado, diferença salarial entre pares do mesmo nível, tempo de casa e experiência, etc. Essa combinação de critérios pode se tornar um algoritmo com recomendação de ajustes para auxiliar líderes a tomarem melhores decisões e não com base em achismo. A funcionalidade de ciclos de mérito da Salars, por exemplo, te ajuda a gerar esses algoritmos
KPIs de acompanhamento: tornar as análises de equidade salarial com foco em gênero e raça por exemplo, em KPIs de acompanhamento para criar ações de correções imediatas (e intencionais) - e não aguardar que a situação chegue a um ponto crítico para fazer ajustes, que podem inclusive não ser viáveis por restrições de orçamento, etc. Existem diversas plataformas que podem te auxiliar nesse processo, os dashboards de remuneração da Salars já geram essas análises para você;
Educação: Importante educar toda a organização em relação ao tema, incluindo letramentos direcionados à pauta de diversidade e inclusão, além auxiliar líderes a entenderem como tomar melhores decisões de remuneração com base nas ferramentas disponibilizadas pela área de recursos humanos/remuneração;
Comunicação e transparência: Essa ainda é a parte mais difícil para a maior parte das empresas: como ser mais transparente em relação à remuneração. Estudos comprovam que a transparência ajuda a mitigar problemas de equidade salarial, mas essa é ainda uma discussão em andamento no Brasil (embora já esteja pegando fogo nos Estados Unidos, com leis que obrigam as empresas a divulgarem suas faixas salariais nos processos seletivos). Hoje, há ainda um longo caminho de maturação de processos e até mesmo do perfil da liderança. De acordo com um estudo da Glassdoor, a transparência salarial é o futuro do trabalho. Vamos ver como esse tema vai evoluir!
Sobre a autora:
Lilian Kazama é profissional de RH há 15 anos, tendo passado por empresas na indústria financeira e tecnologia. Nesta trajetória, atuou em áreas como folha de pagamento, departamento pessoal, benefícios, gestão de saúde, relações trabalhistas e mobilidade internacional, tendo se dedicado e se encontrado na área de remuneração (sua grande paixão), ajudando empresas inovadoras a evoluírem de forma competitiva.